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A flecha dos sentimentos


"Enquanto viver e amar, haverá flechas atravessando seu caminho". Essa fala de Buda está no livro "O cérebro de Buda", excelente para quem deseja ler sobre Neurociência na vida prática!

Um dos tópicos mais interessantes que encontrei fala sobre situações desagradáveis que desencadeiam algum tipo de emoção - essa seria a primeira flecha. O problema começa quando reagimos a esta emoção desencadeando outras emoções - as flechas secundárias, ou "aquelas que atiramos em nós mesmos". As flechas secundárias geralmente desencadeiam uma série de outras flechas numa reação em cadeia, causando um sofrimento que poderia ser evitado.

Por exemplo, você foi assaltado. A primeira flecha é o medo, que dispara flechas secundárias como insegurança, raiva, sentimento de injustiça e impotência. Há casos em que a primeira flecha não chega a ser disparada, como situações em que a pessoa se irrita sem um motivo direto, simplesmente porque algo sai do seu controle ou não está da forma como gosta ou planejou. E ainda, flechas secundárias disparadas contra uma flecha primordial positiva (!!!!), como quando alguém recebe um elogio e reage fomentando uma série de reações negativas (é por interesse, eu  não mereço, não sou tudo isso, não correspondo à expectativa...).

Se não aprendermos a controlar as reações em relação à primeira flecha, "as flechas secundárias começam a cair carregadas de três venenos: a ganância me torna inflexível com relação ao modo como eu quero que as coisas sejam, o ódio me deixa aborrecido e bravo, e a a ilusão me leva a encarar as situações pelo lado pessoal".

O livro descreve muito bem os desdobramentos físicos relacionados ao sofrimento, que gera um complexo  mecanismo corporal de resposta. Reações à primeira flecha constroem um campo de defesa automaticamente ativado ao primeiro sinal desconfortável. Perigoso, pois quando ativado com certa constância eleva o nível de estresse até a zona de perigo, o que causa a médio prazo problemas sérios de saúde e estados mentais adoecidos com ansiedade e depressão.

A dica para diminuir episódios de sofrimentos desnecessários é aprender a identificar a primeira flecha sem desenvolver uma reação imediata e exacerbada, ou seja, sem disparar contra si mesmo as secundárias. Para tanto é necessário "estar com o que surja, lidar com as tendências da mente para transformá-las e amparar-se no solo da existência".

O caminho não é fácil pois aprendemos a sofrer/alimentar o sofrimento e para desaprender, leva tempo, mas vale à pena: "embora pequenos momentos de ganância, ódio e ilusão tenham deixado vestígios de sofrimento na mente e no cérebro, muitos pequenos momentos de prática substituirão os três venenos, bem como o sofrimento que causam, por felicidade, amor e sabedoria".

Acrescento que tenho lido muito sobre a importância do "aterramento", estar com a consciência suplantada no presente, na percepção do que podemos fazer hoje para tornar nossa vida mais satisfatória, tornando o amanhã uma experiência agradável - como diz acima, "estar com o que surja".

Outro ponto li ainda ontem no livro Linguagem do Corpo: "aquilo que acreditamos ser a única verdade pode não passar de meia informação. Cuidado, pois, com sua própria mente apegada". A mente tem apego ao sofrimento, que mesmo sendo negativo nos faz sentir vivos quando nos está faltando o sentimento do amor.  Tendemos a interpretar qualquer situação por nossa ótica e baseados em nossas experiências pessoais, esquecendo que sempre há o outro lado. Muitas flechas secundárias são disparadas baseadas no prisma particular, na projeção, sem termos conhecimento da percepção do outro lado, e frequentemente disparamos nosso mecanismo de sofrimento a partir de fundamentos que não correspondem à realidade - sofremos em vão. Aliás, o ato de sofrer não resolve nada.

Eu mesma aprendi a mudar essa percepção, a compreender que nem sempre o que eu vejo ou penso corresponde à realidade do outro, e sim à minha interpretação da realidade, e tomar atitudes baseadas nesse fundamento pode nos levar a erros irreparáveis. Bem como, se as coisas não saem do jeito como imaginamos em alguma situação não quer dizer que deu errado, e sim que possivelmente para determinado momento foi o melhor que pode acontecer.

Treine o aprender a controlar o disparo de flechas secundárias e se for para dispará-las, somente de estiverem polarizadas em sentimentos positivos, multiplicando reações de amor, carinho, compreensão, perdão, compaixão e acolhimento, e seja mais paciente, flexível e amoroso com você mesmo.


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